sábado, 23 de fevereiro de 2013

PRECISAMOS FALAR SOBRE KEVIN



              Em 2008, o último jogo do Corinthians na Série B foi contra o América, aqui em Natal. No estádio, os corinthianos de natal distribuíram bolas de encher com as cores do clube. Naquele ano o terceiro uniforme era roxo, portanto, também havia bexigas roxas. Na expectativa para o início do jogo, já com as bolas cheias, passaram integrantes de torcidas de São Paulo estourando as bolas roxas. Estourando e esbravejando: “Timão é preto e branco!”. Mas quem são eles para dizerem o que é e o que não é? Eu, revoltado, pensei: “Esses caras se acham mais torcedores que os outros”.
            A morte de Kevin Espada é mais um exemplo da arbitrariedade das torcidas. No episódio em Natal e em Oruro há total desrespeito à liberdade individual. Naquele, o resultado foi uma simples bexiga estourada; neste uma vida perdida.  
            O ocorrido na Bolívia tem que conduzir reflexão em todos os clubes e na sociedade. Esse monstrengo que se solta em dias de jogo é nossa criação, é cultural, produto do meio.
            Ser fanático é um padrão produzido pelos clubes e pela mídia. Quantas e quantas vezes aparecem nos jornais casos de torcedores que largam tudo para seguir seu time como sendo algo espetacular. “Torcedor vende o pai, aluga a filha e hipoteca o rim esquerdo para assistir jogo amistoso de seu time do coração no Turcomenistão”. Massa! “Mãe eu quero ser assim”. “Filho, todo fanatismo é imbecil”.
            A morte de Kevin deve ser debatida não só no aspecto de quem deverá ser punido – o Corinthians deve ser, e já foi cautelarmente punido de maneira severa -, mas também, sob o prisma das condutas nocivas das torcidas fanáticas.
Os clubes devem conscientizar e fiscalizar as atitudes de seus torcedores no estádio. A mesma doutrina seguida de ser sofredor, imortal, guerreiro, fiel, leal, fanático, que passa de geração em geração pode ser enriquecida com humanidade.
O responsável pelo sinalizador que matou Kevin fugiu ajudado por vários torcedores que estavam perto. O treinador disse que trocaria o título mundial pela vida do menino, como se um título valesse uma vida. Depois, os torcedores no Brasil enraivecidos não por conta da pessoa que morreu, mas pela pena que o clube sofrerá. Esse enredo evidencia que o ato não é isolado. É coletivo e institucional.
            Kevin Espada tem que se tornar um ícone da luta contra a violência no futebol. Precisamos falar sobre Kevin.