Em 2008, o último jogo do
Corinthians na Série B foi contra o América, aqui em Natal. No estádio, os corinthianos
de natal distribuíram bolas de encher com as cores do clube. Naquele ano o
terceiro uniforme era roxo, portanto, também havia bexigas roxas. Na
expectativa para o início do jogo, já com as bolas cheias, passaram integrantes
de torcidas de São Paulo estourando as bolas roxas. Estourando e esbravejando: “Timão
é preto e branco!”. Mas quem são eles para dizerem o que é e o que não é? Eu,
revoltado, pensei: “Esses caras se acham mais torcedores que os outros”.
A morte de Kevin Espada é mais um exemplo da
arbitrariedade das torcidas. No episódio em Natal e em Oruro há total desrespeito
à liberdade individual. Naquele, o resultado foi uma simples bexiga estourada;
neste uma vida perdida.
O ocorrido na Bolívia tem que conduzir reflexão em todos
os clubes e na sociedade. Esse monstrengo que se solta em dias de jogo é nossa
criação, é cultural, produto do meio.
Ser fanático é um padrão produzido pelos clubes e pela
mídia. Quantas e quantas vezes aparecem nos jornais casos de torcedores que
largam tudo para seguir seu time como sendo algo espetacular. “Torcedor vende o
pai, aluga a filha e hipoteca o rim esquerdo para assistir jogo amistoso de seu
time do coração no Turcomenistão”. Massa! “Mãe eu quero ser assim”. “Filho,
todo fanatismo é imbecil”.
A morte de Kevin deve ser debatida não só no aspecto de
quem deverá ser punido – o Corinthians deve ser, e já foi cautelarmente punido
de maneira severa -, mas também, sob o prisma das condutas nocivas das torcidas
fanáticas.
Os
clubes devem conscientizar e fiscalizar as atitudes de seus torcedores no
estádio. A mesma doutrina seguida de ser sofredor, imortal, guerreiro, fiel,
leal, fanático, que passa de geração em geração pode ser enriquecida com
humanidade.
O responsável
pelo sinalizador que matou Kevin fugiu ajudado por vários torcedores que estavam perto.
O treinador disse que trocaria o título mundial pela vida do menino, como se um
título valesse uma vida. Depois, os torcedores no Brasil enraivecidos não por
conta da pessoa que morreu, mas pela pena que o clube sofrerá. Esse enredo
evidencia que o ato não é isolado. É coletivo e institucional.
Kevin Espada tem que se tornar um ícone da luta contra a
violência no futebol. Precisamos falar sobre Kevin.